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Mineiros (Amanda Dias, Minas Gerais, 2019)

*available only in portuguese


A cidade, o verde, o rio, as vidas, vestígios, abandono, angústia, vazio, descaso, os rastros. Ficaram as ruínas da catástrofe (para lembrar Walter Benjamin), o sentimento de impunidade e algumas placas que sinalizam a rota de fuga e a proibição de trânsito na área onde a iminência de outra tragédia é possível. Paisagens de Mariana e Brumadinho compõem o curta Mineiros, direção de Amanda Dias (2019). Imagens do depois do fim do mundo que antecedeu o rompimento das barragens. Imagens que nos remetem às vidas que puseram fim, os números ressignificados. Numa parede está escrito: “Por culpa da Vale agora é só lembranças”. Não podemos esquecer jamais dos culpados. Os ribeirinhos lançam seu apelo: “Nosso grito precisa ser ouvido pela justiça”.


Lembro-me de assistir ao telejornal e de me indignar com aquelas imagens. O mar de lama destruía tudo o que era vivo/vida. O verde foi tomado pelo terroso tóxico. Como alguém poderia permitir que aquilo acontecesse? Esta é uma pergunta ingênua quando se trata dos interesses do capital. Quase 5 anos se passaram do rompimento da barragem de Mariana, mais especificamente no subdistrito de Bento Rodrigues e hoje, 25 de outubro de 2020, quando escrevo, faz 1 ano e 9 meses da tragédia em Brumadinho. O clamor dos moradores por seus direitos persiste, enquanto as atividades mineradoras continuam a todo vapor e a justiça assume uma posição cega.


A escolha por imagens paradas, praticamente fotografias em sequência, como quem abre um álbum que narra uma história, junto ao silêncio, por vezes interrompido por um latido de cachorro, pede atenção. Nos enquadramentos vejo um rio; montanhas verdes; uma fachada do que sobrou de uma escola; ruas vazias; uma praça; um varal com algumas roupas; o quarto de uma criança que se chama Sofia; uma cozinha com armário, mesa, potes. Meus olhos correm pela tela e me permitem imaginar que histórias esses objetos guardam. Quantos cafés e pães de queijo foram compartilhados durante um café da manhã naquela mesa.


A Vale expulsou os moradores de suas casas, numa madrugada invadida pelos sons de alerta de perigo de rompimento de outra barragem, dessa vez em Socorro. Centenas de pessoas hoje desabrigadas, cuja maioria sonha com o retorno a seus lares, como diz Amarair Paulo de Morais, morador local. A barragem não rompeu, no entanto os moradores esbarram nos interesses nefastos de capitalistas para os quais a vida humana pouco importa. Não se trata de impedir o retorno das pessoas a comunidade porque significaria colocá-las em risco, trata-se de ter o território livre para continuar a explorar sem responsabilidade. Mineiros nos fala sobre injustiça e violência, nos provoca com o desconforto do silêncio/paisagem. É um recado para o futuro, para que não esqueçamos. É um filme-memória.

 

este texto foi produzido como parte da Oficina Corpo Crítico – Experimentações Críticas por um Cinema Implicado, ministrado pela crítica Kênia Freitas, durante o 22º FestCurtasBH.

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