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Meu primeiro impulso ao terminar de assistir Entre Nós e o Mundo (Fábio Rodrigo, 2019) foi de procurar o nome de Theylor na internet. Não encontrei. Fui corrigido para Taylor Swift ou, e nesse caso algo próximo e ao mesmo tempo distante, Breonna Taylor, uma mulher preta assassinada pela polícia dentro de sua própria casa em Kentucky, Estados Unidos. O caso tem verbete na Wikipédia, reportagens em portais de notícia, incluindo anúncio de um futuro documentário.
Não encontrei nada sobre Theylor. o menino tinha 16 anos quando foi morto pela polícia em frente a escola, no horário do almoço e ao lado de seus amigos, na Vila Eide, no ano de 2016. Érika, mãe de Theylor e prima de Fábio, diretor do filme, conta o que lembra em poucos segundos da tragédia que marcou a sua vida.
Para retratar algo tão brutal e sensível, as imagens dão conta e sintetizam o título de divisão do curta. O nós: crianças brincando e andando de bicicleta nas ruas mal planejadas, a confraternização da chegada de um novo membro na família. O mundo: o olhar preocupado fora do portão enquanto o filho não chega, os prédios da cidade grande dividindo a periferia nos planos abertos.
É a partir da escolha de imagens e, principalmente, dos relatos e da chegada de uma nova vida que Fábio ressignifica um caso que muitas vezes é visto apenas como dor, tragédia e estatística. Há um respeito mútuo no contato entre o documentarista e o documentada, por conta do pedido de licença registrado em tela, e também da proximidade entre os dois. Seja na localização, parentesco ou simplesmente história de vida. Mas Fábio não transforma o objeto em um simples relato do que aconteceu, ele amplia os horizontes para o futuro e por uma vontade de mudança, muito centrado na juventude periférica.
Essa concepção pode ser vista na primeira cena do curta, um pequeno plano sequência que se encarrega de fechar os rostos dos meninos rimadores no luar da madrugada, em uma roda de funk. O tom definido parte dessa situação não por simplesmente fazer o comentário da juventude sonhadora, mas por prolongar a pureza da imagens durante os 15 minutos restantes.
O que, então, poderia ser focado na dor, é desfocado para a contação de uma nova história e seu registro. Fábio procura comentar o que está por trás, quem e o que restou. E pela intenção e evidência do registro, não há dor. Resta memória, superação, risadas e preocupações do futuro. “Só não queria fazer você reviver o processo todo de novo”, é assim que o diretor encaminha o áudio sobre a finalização do filme para sua prima, em meio a uma sequência de imagens felizes de Theylor. A recusa da prolongação da dor, nesse sentido, resulta em imagens, vindas de um processo de escolha cuidadoso, que não exibem o comum drama com intenção puramente exibicionista da tragédia.
A questão aqui é justamente o movimento contrário. Fábio exprime a realidade do documental, da a sensibilidade das imagens e dos personagens e coloca dentro da narrativa. Sai de cena o boletim de ocorrência descritivo e a memória do caso, o que importa é todo o resto. O sentimento da mãe transformado. A periferia embelezada pelas imagens. E à luz sobre tudo isso.
Fábio age diferente do curta ficcional Dona Sônia Pediu uma Arma ao Seu Vizinho Alcides (Gabriel Martins, 2011). Gabriel e Fábio filmam o que restou da perda de um filho, mas o que cada envolvido decide fazer com ela é diferente. Gabriel procura chamar atenção para o aparato cinematográfico e transforma a dor em vingança. E a vingança controlada, performática, brutal, suja e descritiva pertence ao cinema. Gabriel faz seus personagens olharem para câmera que se movimenta de forma calculada, descreve acontecimentos para o público, de modo que a cada interrupção, lembremos dos fatores externos reais que causam aquilo. Fica ainda a dúvida do quanto é ficção, nas passagens dos vídeos de Joca criança ao lado de Dona Sônia.
Gesto similar foi usado por Fábio ao sustentar a dor de suas personagens no espaço fechado de sua moradia. Justamente porque aqui o sentimento é de tristeza, solidão e abandono: a ausência parental nas famílias da periferia. Ainda na ideia de comentar um cenário maior que o retratado, aqui o sentimento é mais focado na dor sentida por conta da história de vida do próprio diretor e que se se sustenta até hoje em outras famílias.
Fábio tem noção do poder da câmera e como ela pode criar e transformar os sentimentos e procura focar sua lente na periferia, objeto de histórias tão mal contadas e distorcidas. E, dessa vez, a história de Theylor e sua família tiveram o retrato transformado.
este texto foi produzido como parte da Oficina Corpo Crítico – Experimentações Críticas por um Cinema Implicado, ministrado pela crítica Kênia Freitas, durante o 22º FestCurtasBH.
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