*available only in portuguese
As informações apresentadas na primeira cartela do filme já demonstra para o espectador dados que revelam a escalada do problema da violência contra a mulher no país. Silêncio. Em seguida, já ouvimos uma voz over da música Maria Maria, de Milton Nascimento, cantada por uma voz feminina que não identificada e logo surgem imagens de uma manifestação organizada por grupos e organizações de mulheres. Uma segunda cartela entra em tela nos revela mais informações. A situação é mais complicada que podemos imaginar. Silêncio.
O curta-documentário Seremos Ouvidas (Larissa Nepomuceno, 2020) aborda a partir da perspectiva de três personagens mulheres surdas - Gabriela, Celma e Klícia - a complexidade e a perversidade deste tema. O filme destaca a falta de tecnologias apropriadas nas polícias para receber as denúncias de vítimas com este tipo de deficiência, bem como os preconceitos quando elas vão nas delegacias e não tem nenhum intérprete de libras. Se 52% das mulheres que sofrem algum tipo de violência não fazem denúncia, geralmente, por medo ou dependência de seu parceiro, imagina pra àquelas que querem e não conseguem? Silêncio.
O enredo leva-nos a conhecer a trajetória dessas três personagens e como este problema perpassaram suas vidas. Ao optar em utilizar somente personagens surdas foi uma escolha acertada para a potência do curta-documentário Seremos Ouvidas. Não são apenas personagens-vítimas desta violência, mas são mulheres profissionais capacitadas, que ajudam no atendimento dessas mulheres, são acadêmicas, artistas e poetas, assim como, tantas outras espalhadas pelo Brasil. A quase inexistência de trilhas sonora e a utilização basicamente do som diegético completam o tom da estrutura narrativa do filme. Silêncio.
Sensibilizar-se é quase impossível diante do que a diretora Larissa Nepomuceno nos revela. O abismo dos problemas sociais do país parecem ser sem fim. Neste momento, reconheço minhas limitações perante o universo denunciativo de Seremos Ouvidas. Contudo, no exercício de tentar ir mais além, escrever sobre filme, despertou-me para mais uma busca de um local de escuta do Outro (de tantos outros que vamos descobrindo ao longo de nossa jornada por aqui); fugir urgentemente do lugar de naturalização (ou, às vezes, do desconhecimento): “quem vou invisibilizar desta vez?”. Pois a questão central que caminha em paralelo sobre a denúncia que o filme faz está justamente em qual a nossa parcela de contribuição? Deste modo, ao nos depararmos com um filme todo legendado em português, enquanto espectadores, também cabe questionarmos, quais outros tipos de invisibilidades e silenciamentos que estamos proporcionando a essas mulheres no cotidiano de suas vidas?
Silêncio.
este texto foi produzido como parte da Oficina Corpo Crítico – Experimentações Críticas por um Cinema Implicado, ministrado pela crítica Kênia Freitas, durante o 22º FestCurtasBH.
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